Vou sorver a vida até a ultima gota
- Gustavo Asth
- 2 de ago. de 2022
- 4 min de leitura

"Vou sorver a vida até a última gota" - afirma Douglas, um homem abandonado pela esposa, em discurso, no divertido filme "O Exótico Hotel Marigold 2".
Lembra-me um trecho do poema de Lya Luft: "Bem que eu queria dormir, mas isso que não esqueço, me chama a noite inteira..."
Você tem algo como um - "...isso que não esqueço..." - e que lhe chama a noite inteira?
Estes são os nossos verdadeiros "motores" de vida. Isso que não esquecemos e que nos impulsiona a "sorver a vida até a última gota".
O filme é sobre a VIDA! Sobre ESCOLHAS e GENEROSIDADES. RELACIONAMENTOS.
Evelyn, uma idosa absolutamente ativa, e em total apropriação da VIDA, indaga algo que bem poderia ser uma questão de todos nós:
"-Quantas vidas novas podemos ter?"
E responde para si mesma:
"Quantas quisermos! Enquanto der!"
Ela brinda a vida... vivendo!
No livro "O desenvolvimento adulto de C. G. Jung", Staude faz a seguinte citação:
"O mundo todo é um palco,
E todos os homens e mulheres, simples atores,
Que nele entram, e dele saem.
E cada homem, por sua vez, representa muitos papéis,
E seus atos correspondem a sete idades. Primeiro a criança,
Choramingando e vomitando nos braços da babá.
Depois o lamentoso estudante, com sua mochila
E seu brilhante rosto matinal arrastando-se como uma lesma
Para a escola, a contragosto. E depois o amante,
Suspirando como uma fornalha, com uma balada chorosa
Feita para os olhos de sua amante. Depois um soldado,
Cheio de estranhos juramentos e com barba de leopardo,
Ciumento na honra, rápido e vivo na luta
Buscando a falsa reputação
Mesmo na boca do canhão. E depois o juiz,
Com o estômago bem forrado com capão
Com olhos severos e barba bem cortada
Cheio de provérbios sábios e de exemplos modernos;
E assim ele representa o seu papel. A sexta idade muda de roupa,
Muda para pobres pantalonas descarnadas,
Com óculos no nariz e bolsa de lado;
Sua ceroula juvenil bem guardada, um mundo demasiadamente grande
Para a sua minguada parte traseira, e a sua grande voz varonil.
Voltando-se de novo ao som agudo da infância,
Chia e assobia ao falar. A última cena,
Que conclui essa estranha história aventurosa,
É uma segunda infância e um mero esquecimento,
Sem dentes, sem olhos, sem gosto, sem nada."
E Lya Luft em poema pergunta:
"-Devo largar minhas perdas que ficaram na soleira entre o passado e o recomeço?"
Afinal, refletimos nós: "De que é feita a vida, senão de perdas e ganhos? Momentos. Escolhas. (E consequências, é claro!).
Diferente da reflexão citada por Staude em seu livro, atualmente a última fase da vida para muitos que têm a graça de chegarem a ela com saúde suficiente para continuar vivendo e não apenas sobrevivendo, desfrutam estes de uma prolongada vida ativa, longe de ser parecida com uma segunda infância.... sem dentes. Porém muito provavelmente, não sem desafios, os desafios próprios da experiência de viver.
No ciclo da vida, não apenas na velhice, nós humanos vamos nos indagar sobre a nossa vida e os papéis que nela desempenhamos, tal como os personagens idosos do filme, e como Luft em seu livro Para não dizer Adeus. Dentre outros possíveis momentos reflexivos, a meia idade é semelhantemente a um tempo de reflexões... vida... apropriações, desapropriações e... recomeços. Desafios! Escolhas (e consequências, certamente!).
Ninguém quer errar consigo mesmo... sempre buscamos acertar. Mas nem sempre... acertamos nas escolhas realizadas na caminhada.
A meia idade é um tempo desafia-dor,
Quem sabe seja para alguns, um tempo para "viver a vida não vivida" como propõem os autores Johnson e Ruhl. Um tempo para "reconhecer nosso talento e nosso potencial em sua totalidade" (idem).
Afinal, para tudo o que escolhemos viver até essa etapa da vida, outro tanto ficou "não vivido". Toda escolha demanda uma perda. E disso é feita a VIDA de cada um de nós: de ganhos e perdas, possibilidades que se foram e escolhas que continuam a se apresentar.
E segundo Johnson e Ruh, "A vida não vivida 'não desaparece' apenas por falta de uso, ou ao ser deixada de lado ... ao contrário ... vai para o subterrâneo e se torna problemática, sendo algumas vezes muito perturbadora - conforme vamos envelhecendo."
Essa é a aventura do viver! Uma aventura que as vezes pede "(re)visão".
Porém... fica a questão: "Você está disposto(a) a sorver a vida até a última gota?" Rever a vida tantas quantas vezes for preciso? (Re)criar, (re)construir, integrar partes de si que ficaram perdidas na caminhada da vida? Apropriar-se da autoria de sua história com todas as perdas e ganhos nela implicadas?
Ainda com Lya Luft, podemos colocar palavras que ilustram as vivencias de muitas pessoas que estão nesta etapa da vida:
"Quando pensei que estava tudo cumprido,
havia outra surpresa: mais uma curva
do rio, mais riso e mais pranto.
Quando calculei que tudo estava pago,
anunciaram-se novas dívidas e juros,
o amor e o desafio.
Quando achei que estava serena,
os caminhos se espalmaram
como dedos de espanto
em cortinas aflitas. E eu espio,
ainda que o olhar seja grande
e a fresta pequena."
REFERÊNCIAS:
JOHNSON, R. A. e RUHL, J M. Viver a vida não vivida. Petrópolis: Vozes, 2010.
LUFT, L;. ÕNUS. In:. LUFT, L, Para não dizer Adeus. 3 ed. RJ: Record, 2005.
_____.Todas as águas. In:LUFT, L, Para não dizer Adeus. 3 ed. RJ: Record, 2005.
SHARP, D. Ensaios de sobrevivência: anatomia de uma crise de meia idade. SP: Cultrix, 1995.
STAUDE, J. O desenvolvimento adulto de Jung. SP: Cultrix, 1995.
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